28 de agosto de 2009

JSB - FIM DO GLAMOROSO PASSEIO

A caminho de Portugal. Definitivamente.

Depois de mais de um ano de trabalho no magrebe africano, o que pensar? Não sei, para ser sincero. Mas tento explicar o que sinto.

A experiência que tenho passado por cá é provavelmente, e a seguir ao meu épico nascimento, a maior prova de resistência e dureza que alguma vez passei. A vantagem da mais antiga é não me lembrar. A vantagem desta última é não me esquecer.

Como descrever este ano em Marrocos? Por partes. É como um degrau. Muito grande. No início não era capaz de lhe ver o fim. Faltavam-me olhos que vissem tão longe. Acredito que possa ter sido a minha sorte, quando não se sabe o que falta, não se sabe o que se tem pela frente. Não há ansiedade, não se sofre por antecipação. Crédito de ingenuidade serviu para pagar a factura de falta de experiência. Estou cá, estou no fim e estou vivo. Resultou.

A pergunta que se impõe é, como foi possível resultar? Tem truque. As pessoas que nos rodeiam. Um conjunto de seres humanos que ao meu lado enfrentaram as adversidades que uma vida por cá implica, com dedicação e empenho, com respeito e orgulho. Há espírito de missão. Tem de haver, basta passar cá 15 dias para perceber. A força invisível que todos os dias passamos uns aos outros através de camaradagem, ajuda ou simplesmente presença. Difícil aqui não é trabalhar, foi para isso que todos nós viemos e apenas está limitado pela garra de cada um. Como é natural, há momentos de maior e menor força. Fases de maior ou menor motivação. Há frescura e cansaço. A única coisa que não há é a mínima dúvida que toda a gente vai até onde pode. A maior parte das vezes um pouco mais além. O que realmente custa por cá é o isolamento a que o local nos sujeita. Não ter um sítio para jantar fora e descomprimir, uma esplanada para se beber um copo, ouvir uma música. Não haver cinema. Não ver umas caras novas. É aí que se vacila, que se pensa em Portugal. É nessas alturas em que se pensa como esta vida é dura. É também quando se joga o trunfo que há pouco descrevi, as pessoas que nos rodeiam.

Não são precisos nomes.

Tenho um quase-irmão, um amigo de infância que comigo tem partilhado as agruras e as vitórias desta empreitada. Não sei se sem ele teria sido possível esta aventura da minha parte. Nunca o saberei. Quero acreditar que sim. Sei apenas a importância que sempre teve ao longo da minha vida. Inigualável. Quando se pode contar com um amigo assim, tudo fica fácil. Um senhor.

Dois super directores de projecto. Na hora da partida não corro o risco de parecer mal, embora me parece que nunca o correria, dado que expresso apenas o evidente. De entrega ilimitada, conselheiros, rigorosos, implacáveis, confidentes, defensores da sua equipa. Exemplo e líderança. Dois amigos.

O que dizer também da camaradagem que senti ao longo deste ano não só deles mas também de toda a equipa de génios que desde o gabinete técnico, às terraplenagens, obras de arte, pavimentos, túnel, topografia, equipamento e compras, me acompanharam de mangas arregaçadas nas mais diversas façanhas? Muito trabalho, sem nunca deixarem de existir as almoçaradas, os lanches, as corridas, as futeboladas e os jantares. Alguém se vai esquecer das sessões míticas da Maison 5, da casa das Obras de Arte ou da casa do Túnel? As histórias? As peripécias contadas e discutidas nos dias seguintes? Será possível alguma vez esquecer-me da noite épica em que 17 pessoas sempre em festa, arrancaram do estaleiro e invadiram Marrakech? Seguro que não. Foi com eles que descobri o quão importante é espairecer ao Sábado e Domingo para Agadir, Marrakech e Essaouira. Foi com eles que fiz snowboard no Atlas, vi Laurent Wolf e Martin Solveig ao vivo, andei de skate por Agadir, fui ao festival Gnaoua, fiz surf na Roche du Diable. Até uma simples ida a Imintanoute para beber um café transforma-se quase sempre num momento de boa-disposição com aquela realidade (inevitavelmente) tão estranha para nós. A isto chamo união.

Neste verdadeiro 'playground' de emoções também há um sentido quase maternal, muito por culpa de duas excelentíssimas senhoras. Duas verdadeiras mulheres de armas que conferem um forte equilíbrio neste mundo iminentemente masculino (com rara excepção dos betuminosos onde claramente existe outra verdadeira padeira de Aljubarrota, a nível de força anímica e garra). A atenção e preocupação concedidos sempre que o sexto-sentido era activado e se percebia que alguém poderia estar 'ligeiramente' menos bem disposto, ajudaram-me de forma decisiva. Inesquecível mesmo foi a minha chegada em que a primeira frase que ouço no estaleiro é "você é o Joaquim? Venha ao meu escritório e ligue já para casa a dizer que chegou bem!". Meus caros, isto é muito importante. Faz-nos sentir em casa.

Costuma-se dizer que depois do regresso e com o passar do tempo temos tendência para esquecer as recordações menos boas sobrando mais espaço para as melhores. Estou céptico. Não sei se algum dia terei saudades da vida em Imintanoute. Uma certeza, vou ter (já tenho) saudades destas pessoas.

Para a história fica um troço de 13,2 km de auto-estrada em pleno Atlas. São dois viadutos a 50 metros de altura com 440 + 160 m de comprimento, 44 passagens hidráulicas, 2 passagens superiores, 2 550 000 m3 de aterro, 5 000 000 m3 de escavação, um túnel duplo com 550 m de comprimento e por fim 150 000 ton de betuminosos. No futuro serão 10 minutos de auto-estrada que muitos atravessarão sem imaginar o sacrifício de todos os que me rodeiam.

O meu pequeno contributo começou com 4 meses onde trabalhei como adjunto da direcção das Obras de Arte, em plena frente de obra (não, não se executam estátuas ou pinturas, são estruturas), e depois como responsável no Planeamento e Controlo da empreitada. Em Janeiro deram-me asas para voar, com a minha passagem para o Gabinete Técnico que tive o prazer de liderar durante os 8 meses seguintes. Esforcei-me por responder o melhor possível aos desafios da obra com projectos, ideias, soluções, uma ou outra medição, uma boa conversa e o tudo o que estivesse ao meu alcance. Lidei diariamente com o dono-de-obra em reuniões, petiscos teóricos, quimeras e discussões técnicas infindáveis. Fui projectista.

Confirmei aquilo em que acreditei ao longo deste ano. Saio de Marrocos mais forte para a vida. Profissionalmente, indubitavelmente mais experiente. Estive um ano numa verdadeira escola. Pessoalmente, é ainda cedo para avaliar por completo todo o ganho. Sinto-me apenas melhor. Capaz. Também perdi, com a minha ausência acabei por de alguma forma falhar às pessoas que deixei em Portugal. Pelo meio conheci-me. Senti limites, estreitei relações, baixei defesas. Rezei e rezaram por mim, senti a Sua força. Descobri falhas e virtudes, defeitos e qualidades. Ganhei marcas. Sofri com saudades. Cresci e envelheci.

Preparo-me para o próximo projecto. Não se pára, não se pode.
Há vontade e há força. Muita motivação.
Quero começar o mais depressa possível. É já na próxima semana.


Faço deste o meu último artigo no blog. Sei que este estará muitíssimo bem entregue às mãos dum senhor que prosseguirá a aventura por mais uns meses. Se ele cumprir a promessa de escrita, eu prometo ser um leitor assíduo e um comentador implacável.

Agradeço muito sinceramente a atenção que me dispensaram. Agradeço os comentários, as ideias e todo o apoio que muitas vezes senti dentro e (sobretudo) fora da blogosfera (palavra muito em voga). Agradeço-vos a companhia.



Um grande, grande, grande Abraço

Joaquim Salazar Braga

26 de agosto de 2009

JSB - PLENO DESERTO

Vista aérea do nosso estaleiro, verdadeira 'aldeia-oásis'.

20 de agosto de 2009

JSB - 1 ANO


Faz hoje um ano que fiz Lisboa-Madrid-Casablanca-Marrakech-Imintanoute. Nessa altura tudo estava a começar. Agora tudo a acabar. Pelo meio muita coisa. Uma das que mais tenho pena é não ter conseguido manter este blog suficientemente a par de tudo o que de relevante se tem passado. Num estilo xerife de Lucky Luke, decidi trazer alguma ordem ao verdadeiro 'saloon' que é este espaço cultural.

Do Texas verdadeiro ao verdadeiro Texas que é Marrocos, o que ficou por contar?


MAISON 5

A história da Maison 5 era de sobriedade e seriedade até que dois dos seus elementos foram substituídos pelos craques deste blog. Na mesma semana. Grave? Gravíssimo, porque os dois que ficaram viram-se como reis e senhores e em conjunto com as duas novas coqueluches, criaram o espaço mais mediático do estaleiro. De repente descobrimos um talento natural para cozinhar (consta que muito prometido mas não cumprido até então) - almoços e jantares em quantidades vastas. Acrescentou-se uma pitada de música, petiscos lusitanos, marisco de Essaouira, compraram-se dois quadros de setas (apesar de que um deles.. enfim, não vamos falar nisso a intenção foi excelente) e uma mesa de matrecos. O que é que este estaleiro poderia querer mais? Sucesso imediato.


E as sessões de cinema? Mais uma criação de luxo.



FUTEBOL

Obviamente existem as belíssimas jogas. É mais forte. Todos têm a necessidade de mostrar o craque que existe (ou não) dentro de si. Dos muitos jogos que foram feitos, deixo uma recordação da quase mítica equipa formada pelo meu gabinete técnico em consórcio com o gabinete das compras. Um luxo. Nos pés de cada um juntava-se o enorme talento futebolístico de um jogador de xadrez com a macieza e delicadeza de um pinheiro bravo. Um quadro vivo. Os resultados foram tão fantásticos quão talentosos.



NIKKI BEACH MARRAKECH

Uma descoberta casual feita em pleno Inverno pelos dois Charles Dickens deste blog, permitiu criar uma nova dimensão ao conceito de Domingo, em Marrakech. Na verdade, esta cidade interior era frequentemente acusada de não se conseguir aguentar nos meses quentes. Num glamoroso passeio pela zona da Palmeraie acabámos por descobrir que talvez fosse possível..


A magia de Marrakech é que no mesmo dia em que temos estes mimos, somos perfeitamente capazes de ver (como foi o caso) um senhor que decidiu dar um 'toquezinho' no seu jardim. Esta cidade tem qualquer coisa especial, não sei bem como lhe chamar, mas tem...



TERRAPLENAGENS

Quando prometo, cumpro. Há uns meses prometi que trazia a este espaço de cultura uns quantos milhões de metros cúbicos de terreno. Mais de 2 milhões para ser mais (mas não demasiado) preciso. Escavado e movimentado. Para se ter uma noção, imagine-se mudar de sítio a Grande Piramide de Kheops, à força de escavadoras, dumpers e bulldozers - os arqueólogos e historiadores em geral, o Indiana Jones em particular, que me perdoem a ousadia de lhes fazer imaginar tão dantesca imagem. Este meigo 'corte' na montanha foi feito. Trago em exclusivo um esquema e algumas imagens do processo.



Enquanto escrevia os textos anteriores, ocorreu-me que poderia partilhar as imagens de uma outra escavação. Apesar de não ser muito longe da anterior, revela uma aparência completamente diferente. Acredito que possa ser um pequeno maná para os geólogos. Para um leigo como eu, a sua profusão de cores faz deste corte o mais belo de todos. É possível sentir os milhões de anos que demoraram a constituir as suas camadas. Mais uma surpresa da natureza revelada.



TÚNEL

Espero que o Diogo me perdoe esta entrada impune no feudo dele, mas tenho de aproveitar o balanço para escrever sobre o dia 25 de Maio de 2009. É que naquele dia viu-se luz ao fundo do túnel. Literalmente. Na linguagem dos seguidores de Santa Bárbara, varou-se. O que para uma via rodoviária foi a primeira vez em Marrocos. Tem selo lusitano, meus senhores.


Pouco tempo antes tinha sido convidado pelo Diogo a apreciar os trabalhos. Note-se a classe.



OBRAS DE ARTE

No departamento que me deu abrigo quando cheguei a Marrocos, produzem-se obras de arte. Em betão armado. As passagens superiores são apenas exemplos do que aqui se tem feito, obrigando-me no entanto a um maior enfoque já que o projecto de cimbre e cofragem é do nosso gabinete. E não escondo que é dos trabalhos que maior gosto dão. Assistir a uma betonagem dum projecto destes, mais que uma quase obrigação, é um prazer. Aproveitei-me. Decidi sair do meu gabinete e espalhar um pouco de confusão e magia na frente de obra. Afinal projectista é projectista. Apresento-vos a PS 33.


Dentro da mesma filosofia, apresenta-se também a PS 126 onde houve necessidade de criar uma passagem para veículos. Mesmo para os de quatro patas.


Mas a verdadeira obra-de-arte é o Viaduto Pk9 que neste momento já está na sua forma final. De uma beleza tremenda. Para quem suspeita de algum facciosismo da minha parte, deixo-vos as seguintes imagens



BETUMINOSOS

"Last but not the least". Departamento que é uma verdadeira estrela em ascensão na empreitada. Está na hora deles. Os trabalhos já começaram e espera-se que no espaço de um par de meses todo o troço esteja com um brilho negro.




Um ano em Marrocos sempre bem comportado. A vigilância é apertadíssima. Um último mimo.


UM ABRAÇO !